Políticas Sociais

A obra apresenta a biografia de 44 personalidades femininas notáveis, frequentemente apagadas (na ilustração, Anita Garibaldo e Dandara)

Entre os temas ensinados aos jovens brasileiros no ensino básico, estão, por exemplo, a fase inicial da colonização, a resistência dos quilombos à escravidão e a Inconfidência Mineira. Nessas aulas, porém, os alunos ouvem falar pouco ou nada da ativista de ascendência indígena Madalena Caramuru, que viveu no século 16, da guerreira quilombola Dandara ou da inconfidente Hipólita Jacinta de Melo.

Na literatura, estudam romances de José de Alencar e de outros autores do Romantismo, mas não são informados da existência de Maria Firmina dos Reis, autora de “Úrsula”, um dos primeiros romances de autoria feminina do Brasil, primeiro de autoria negra e primeiro escrito ficcional de cunho abolicionista. Outras, como Anita Garibaldi, são mencionadas, mas quase sempre à sombra de seus companheiros homens.

O apagamento de brasileiras responsáveis por contribuições importantes se repete em diversas áreas de atuação. Em uma tentativa de reparar esse desconhecimento, o livro “Extraordinárias Mulheres que Revolucionaram o Brasil”, lançado pela Companhia das Letras na última semana de novembro, reúne a trajetória de 44 mulheres, com ilustração inédita de cada uma delas.

Os livros e a onda de representatividade

Com proposta semelhante, o livro “Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes” reúne narrativas curtas que descrevem os feitos de 100 mulheres de diferentes épocas e países. Foi escrito pelas italianas Elena Favilli e Francesca Cavallo, conta com a contribuição de 60 mulheres artistas do mundo todo nas ilustrações e chegou ao Brasil em fevereiro de 2017.

Desde sua publicação, volumes do tipo, com o propósito de resgatar a biografia de mulheres cuja contribuição histórica é pouco difundida ou mesmo desconhecida, foram preparados em vários países. O contexto é a reivindicação de representatividade que tem sido pautada por feministas e profissionais das artes, da ciência, da tecnologia, entre outros campos.

“Extraordinárias Mulheres” é o primeiro dessa onda que se propõe a compilar os dados biográficos e os feitos de mulheres nascidas no Brasil ou “abrasileiradas” – que adotaram o país para viver, como é o caso da arquiteta Lina Bo Bardi e da missionária e ativista Dorothy Stang.

O projeto das jornalistas Duda Porto de Souza e Aryane Cararo é fruto de dois anos de pesquisa – um mergulho na vida de quase 300 mulheres, a partir das quais as autoras chegaram às 44 que estão no livro. Consultaram arquivos de jornais, livros, documentos e realizaram entrevistas. Entraram para a seleção as que representaram um marco, um divisor de águas em suas respectivas áreas.

Apesar da vocação educativa explícita, seu público alvo transcende uma faixa etária específica, segundo as autoras.

“Espero que seja um passo inicial. Que sirva de inspiração para crianças, jovens e adultos irem atrás de outras brasileiras brilhantes. E que a gente possa contar uma história um pouco mais igualitária, justa, dando nomes e rostos a quem fez o país chegar até aqui”, disse Aryane Cararo.

“Que a gente possa contar a história de Anita, a mulher que enfrentou tropas imperiais no Brasil e lutou pela unificação da Itália. E não a Anita do Garibaldi. De Dandara, a mulher que não queria fechar o quilombo para novos escravos fugitivos, e não a mulher de Zumbi. De Dinalva, que quase ficou invisível na história da luta armada no Brasil na época da ditadura. De Marinalva, que está fazendo história agorinha mesmo”, complementa a autora.

O livro também conta com uma extensa linha do tempo que mostra conquistas de direitos obtidas pelas mulheres do século 16 até o presente, e traz informações que esclarecem como era ser mulher em determinadas épocas.

Abaixo, curtos perfis de 6 das 44 personalidades do livro.

6 MULHERES ‘QUE REVOLUCIONARAM O BRASIL’

1 Dandara (?-1694)

Rainha do Quilombo dos Palmares, Dandara viveu na região da serra da Barriga, atualmente pertencente ao município de União dos Palmares (AL). Não se sabe ao certo onde ela nasceu ou como chegou ao maior e mais duradouro quilombo das Américas. Segundo narrativas consultadas pelas pesquisadoras, ela não só atuava na proteção do quilombo, na resistência ao regime colonial português e nos ataques aos holandeses, como também propunha estratégias para ampliar Palmares e extinguir o trabalho escravo. “O mais curioso foi perceber o quanto a falta de registros sobre as mulheres foi prejudicial para nossa história. É um caso bem emblemático, porque ela é tão famosa e, ao mesmo tempo, não sabemos muito ao certo o que aconteceu com ela. Os escritos tratam de Zumbi e de Ganga Zumba, mas quase nada de Dandara”, disse Cararo.

2 Anita Garibaldi (1821-1849)

Ana Maria de Jesus Ribeiro nasceu em Santa Catarina e lutou na Revolução Farroupilha (1835-45). Morreu precocemente, aos 27 anos, na Itália. “Ela pegou em armas, se expôs a perigos, foi mais corajosa que muito homem durante as batalhas (chegou a disparar canhões e a buscar rebeldes medrosos no porão do navio). Mas o que mais me chamou atenção é que Anita fez muitas de suas proezas como guerreira quando estava grávida ou com filho pequeno. Essa história de sexo frágil é uma falácia. Gestar, parir e ainda fazer o que Anita fez é para ganhar prêmio!”, comentou a autora Aryane Cararo.

3 Dona Ivone Lara (1921)

Primeira mulher na história do samba a se consagrar como cantora e compositora, Dona Ivone começou no ambiente machista das escolas de samba da década de 1940. No início, apresentava suas composições como se fossem de seu primo Fuleiro, também compositor. Formou-se em enfermagem e assistência social e trabalhou como terapeuta ocupacional em um hospital até o final da década de 1970. “Os cinco bailes tradicionais da história do Rio”, de 1965, composto por ela, Silas de Oliveira e Bacalhau, foi o primeiro samba-enredo de uma escola de elite do carnaval carioca a ser assinado por uma mulher. Foi a estreia de Lara na Ala dos Compositores da escola Império Serrano.

4 Dinalva de Oliveira (1945-1974)

Nascida na Bahia, no vilarejo de Argoim, formou-se geóloga na Universidade Federal da Bahia em 1968. Na faculdade, envolveu-se com o movimento estudantil durante a ditadura militar e chegou a ser detida. Filiou-se ao Partido Comunista do Brasil e nos anos 1970, participou da guerrilha do Araguaia. Foi presa e executada, e dada como desaparecida política em 1974. Oliveira virou lenda na região do Araguaia pela bravura. Foi a única mulher a comandar uma equipe no Araguaia e se tornou muito querida na região, porque também era parteira.

5 Marinalva Dantas (1954)

De Campina Grande, Paraíba, a auditora fiscal do trabalho se formou em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em pleno século 21, sua atuação tirou mais de 2.500 pessoas de situações de trabalho em regime de escravidão e mais de 15 mil crianças do trabalho infantil. “Queríamos mostrar que nossas heroínas não estão mortas, muitas estão por aí, lutando, brigando”, disse Aryane Cararo.

6 Indianara Siqueira (1971)

Paraense, ativista dos direitos humanos, coordenadora da ONG Trans-Revolução e idealizadora de projetos como a Casa Nem e o Prepara Nem, que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade. Siqueira é uma das maiores ativistas da causa transvestigenere, termo que une travestis, transexuais e transgêneros. Sua atuação foi pioneira, no Brasil, na reivindicação pelo reconhecimento do nome social.

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