Na Mídia

No estado norte-americano de Maryland em 1984, uma mulher anônima chamou a polícia para identificar um homem apresentado em retrato-falado como suspeito: Kirk Bloodsworth. O ex-fuzileiro naval, então com 22 anos, foi preso pelo estupro e assassinato de uma menina de nove anos. Apesar das evidências escassas e contraditórias apresentadas em julgamento, ele foi condenado e sentenciado à morte.

Constantemente protestando sua inocência, Bloodsworth iria se tornar, em 1993, a primeira pessoa nos Estados Unidos libertada do corredor da morte com base em evidências de DNA provando inocência. Ele foi libertado após mais de nove anos na prisão, mas não foi totalmente exonerado até 2003. Outro homem se declarou culpado pelo crime em 2004.

O direito a um julgamento justo está no coração do Artigo 10, parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, que busca impedir uma repetição das atrocidades da Alemanha de Hitler, onde juízes e tribunais condescendentes atuaram pelos objetivos do regime nazista, em vez da justiça no interesse do povo. Algumas garantias de um julgamento justo, incluindo o direito à presunção de inocência, também podem ser encontradas nos Artigos 6, 7, 8 e 11 da Declaração.

O direito a um julgamento justo foi aceito por todos os países (embora estes nem sempre honrem esse princípio). Julgamentos justos não só protegem suspeitos e réus, mas tornam sociedades mais seguras e fortes ao fortalecer a confiança na Justiça e no Estado de Direito.

Mas o que é um julgamento justo?

As marcas registradas de um julgamento justo incluem: o direito de estar presente em tribunal; de ter um julgamento público rápido perante um tribunal independente e imparcial; e de ter um advogado de escolha, ou um fornecido sem custo. Também fundamental é o direito da presunção de inocência, até que se prove o contrário, e o direito de não ser forçado a testemunhar contra si mesmo. Estas características são explicadas em mais detalhes no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, uma elaboração legalmente vinculativa de alguns dos princípios centrais da DUDH.

Em um momento da longa luta de Kirk Bloodsworth para provar sua inocência, um tribunal de apelações derrubou sua condenação porque ele não havia se beneficiado de outra exigência para um julgamento justo: o direito de ver as evidências. Em seu caso, evidências que apontavam para outro suspeito. Após sua libertação, Bloodsworth ajudou a aprovar uma lei que facilitava o acesso de pessoas condenadas na Justiça a testes de DNA — um exemplo de medida feita para impedir a repetição de violações (como descrito sob o Artigo 8).

Como este caso mostra, padrões para o que se constitui um julgamento justo estão sempre sendo elevados, não só em casos criminais, mas também civis. O direito a um julgamento justo também é consagrado em uma série de documentos regionais de direitos humanos, como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Outros desdobramentos incluem a qualidade das transcrições e da tradução nos procedimentos judiciais.

Questões envolvendo o direito a um julgamento justo ocorrem em cada país do mundo em grau maior ou menor. Muitos sistemas legais possuem diversas medidas para minimizar erros da Justiça — mesmo que não funcionem sempre com perfeição —, mas em alguns países tais sistemas não estão totalmente desenvolvidos, são prejudicados por corrupção ou incompetência, ou não funcionam na prática por uma série de outras razões.

A questão não está ligada apenas à qualidade das medidas legais — a definição de um determinado crime —, mas também à independência de juízes, procuradores e advogados. Isto é fundamental: se os principais atores do Sistema Judiciário estão sujeitos a controle político, ou com medo de defender ou absolver alguém que sabem da inocência; ou se uma ofensa menor (como a manifestação de uma opinião particular ou outro direito fundamental protegido sob lei internacional como liberdade de assembleia ou associação) é punível com uma sentença prisional draconiana ou até mesmo com a pena de morte – então a ideia de um julgamento justo se torna ilusória.

Muitas vezes há tentativas de politizar ou controlar o Judiciário de formas que podem ameaçar os direitos dos suspeitos a um julgamento justo, até mesmo em países onde este direito está razoavelmente bem estabelecido. Em 2018, o tribunal mais alto da União Europeia, a Corte Europeia de Justiça, ordenou que o governo da Polônia suspendesse uma lei que diminuiria as idades de aposentadoria da Suprema Corte, o que faria com que dois quintos de seus juízes se aposentassem. A lei foi amplamente interpretada como uma tentativa do governo de preencher os assentos com aliados.

Ainda mais preocupante, em diversos países, autoridades trabalham ativamente para prejudicar procedimentos existentes de julgamento justo para enfraquecer a dissidência e remover adversários políticos ou jornalistas e defensores dos direitos humanos. Acontecimentos recentes em uma série de países sugerem que este problema pode estar se tornando mais grave, à medida que governos autoritários tentam consolidar poder ao prender dissidentes.

Nos últimos anos, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), especialistas independentes e outros órgãos da ONU voltados para os direitos humanos expressaram preocupação com a situação ligada ao julgamento justo e independência do Judiciário em diversos países, incluindo Bahrein, China, Egito, Guatemala, Guiné-Bissau, Iraque, Maldivas, Mianmar, Arábia Saudita, Sudão, Turquia, Venezuela, Vietnã, entre outros.

No Egito e no Iraque, as dezenas de sentenças de morte após julgamentos flagrantemente falhos foram fortemente condenadas pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Na China, a falta de transparência envolvendo julgamentos e a administração da Justiça, assim como a tendência de depender de “confissões” que podem ser coagidas, resultou na prisão ou desaparecimento de muitos defensores dos direitos humanos e ativistas políticos, junto a seus advogados de defesa, desde o início de uma forte repressão em julho de 2015.

Fonte: ONU

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