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Aquela clássica cena interiorana de uma senhora na calçada, segurando uma vassoura em uma mão e uma mangueira d’água aberta na outra, enquanto conversa com a vizinha, está ameaçada. Primeiro pela escassez hídrica, que tem deixado torneiras vazias, mas também por multas por desperdício que estão sendo aplicadas em diversos municípios.

Para tentar conter o consumo, cidades do interior paulista adotaram penalidades para quem for flagrado utilizando irregularmente a água.

Este período do ano historicamente já é marcado pela falta de água, mas em 2021 o cenário está ainda pior —em alguns locais, autoridades já impuseram medidas restritivas para tentar conter o problema.

São Paulo tem mais de uma dezena de cidades que já decretaram a aplicação de multas, como Itu, onde fiscais estão nas ruas para monitorar desperdícios de água e multar moradores flagrados cometendo irregularidades.

A prefeitura considera desperdício lavar calçadas e veículos —as infrações mais comuns nas cidades— com mangueiras, mas também situações que configurem uso contínuo da água sem necessidade, como deixar torneiras abertas ou uma caixa d’água eliminando água.

O valor da infração é de R$ 489,68, custo de uma ligação de água na cidade. Segundo a CIS (Companhia Ituana de Saneamento) até o momento foram aplicadas 60 multas.

Devido ao aumento da temperatura, à alta do consumo em mais de 50% e à previsão de falta de chuvas significativas até outubro, a cidade implantou um rodízio desde 20 de agosto.

A medida funciona no sistema 24 por 48, ou seja, um dia com abastecimento de água, seguido de dois sem. Até agosto, choveu 37% menos que a média histórica dos últimos dez anos.

Multas também estão sendo aplicadas em Valinhos, onde o Daev (departamento de água e esgoto) já flagrou 36 irregularidades até esta quarta-feira (15).

Em racionamento desde 27 de agosto, a cidade ampliou as fiscalizações em busca de uso inadequado da água tratada. A multa custa ao infrator R$ 441,21, valor atual do custo da ligação à rede pública, que dobra em caso de reincidência.

O cenário no município é crítico —os mananciais internos são compostos por quatro barragens, das quais uma opera com apenas 5% de sua capacidade.

Já nos mananciais externos, a captação do rio Atibaia está 10,63% abaixo do esperado para setembro.

As chuvas praticamente inexistem neste mês: 6,6 milímetros até as 7h desta quarta, ou 10,4% do esperado para setembro. Por isso, o presidente do Daev, Ivair Nunes Pereira, prevê a adoção de medidas mais severas já na próxima semana se o quadro não mudar rapidamente.

“Hoje operamos no sistema 3 por 1, com três regiões com água e uma sem, das 10h às 4h do dia seguinte. Se não houver mudança, poderemos ampliar. Estamos tirando três vezes o volume de água que entra no sistema.”

O rodízio não fez com que houvesse diminuição no consumo, mas permitiu que ela chegasse a todos os pontos da cidade. “Se a gente não fizesse, as partes mais altas não receberiam água, por não haver pressão suficiente para chegar lá.”

Lavar quintais, telhados, calçadas e ruas, seja em imóveis residenciais ou comerciais, gera multa, assim como encher piscinas, lavar veículos e irrigar jardins.

Em Vinhedo, que decretou restrições em junho, a prefeitura anunciou a prorrogação das medidas por quatro meses, o que significa que elas terão validade até o último dia de 2021.

A Operação Estiagem manteve a proibição de usar água para regar jardins ou gramados. Também é proibido manter abertas indevidamente torneiras, mangueiras ou reservatórios.

“A providência foi tomada considerando que a seca deste ano é uma das mais severas em décadas e está refletida diretamente na redução da disponibilidade hídrica e no volume dos reservatórios de várias regiões do país, e da cidade, podendo comprometer o abastecimento futuro”, diz a administração. A multa estabelecida é de R$ 535,83.

Já Araras flagrou em um mês 116 irregularidades que resultaram em multas. O valor inicial é R$ 349,08, que dobra em caso de reincidência.

A prefeitura apresentou na última semana um novo sistema de captação no rio Mogi Guaçu, para reduzir a dependência de represas. Até então, 70% da água era oriunda de represas, ante 30% do rio. Agora, os percentuais passaram a 45% e 55%, respectivamente.

“Nós estamos num momento crítico, estamos com multas em função da má utilização dessa água, por conta desse momento que estamos vivendo”, disse Alexandre Castagna, presidente do Saema (serviço de água e esgoto), em visita técnica ao local.

Na última semana, moradores de Batatais, na região metropolitana de Ribeirão Preto, chegaram a ficar até quatro dias sem água, depois que mais de uma dezena de incêndios que se alastraram devido ao tempo seco atingiram a rede elétrica.

Sem energia, as bombas de captação dos poços artesianos não funcionaram e a cidade viu acentuar um problema que já registrava em menor grau nos últimos meses.

Por conta da seca, no último dia 30 a prefeitura decretou a aplicação de multa para quem desperdiçar água. O valor é equivalente a 50% da última fatura registrada.

“É certo cobrar, a falta d’água foi muito grande nos últimos dias”, disse a vendedora Ana Amélia da Silva, que mora no Jardim Elisa, um dos 36 bairros que ficaram sem água após os incêndios.

Já em Amparo, a prefeitura decretou estado de emergência hídrica e decidiu punir desperdício de água tratada ou potável. Além de calçadas, ruas e carros, o veto abrange a lavagem de fachadas de imóveis residenciais, comerciais e industriais.

A prefeitura enviou à Câmara um projeto que prevê uma multa mínima de R$ 500 para quem for flagrado desperdiçando água — gastar 15% acima da média dos seis últimos meses também pode ser punido. A proposta deve ser votada na próxima semana.

“Esperamos que, já no mês que vem, a quantidade de chuvas seja suficiente para voltar a encher nossos rios, mas enquanto isso não acontece, temos que fazer nossa parte”, disse Marcelo Viam, superintendente do serviço de água e esgoto, via assessoria.

No dia 9, choveu em Ourinhos, mas não o suficiente para comemorar. Segundo o setor de saneamento, o nível do rio Pardo chegou a 1,2 m —se ele caísse para 1,0 m, a captação de água teria que ser interrompida para preservar os equipamentos.

O decreto local proibindo desperdício atingiu cerca de cem moradores, que lavavam calçadas ou garagem com mangueiras. Em caso de reincidência, a multa será no mínimo de R$ 1.051,80.

No início do mês, Águas de Lindóia diminuiu o tempo de funcionamento das estações de tratamento de água. Uma delas está sendo desligada às 16h e só é religada às 7h do dia seguinte.

“A pouca quantidade de chuva dos últimos dias não foi suficiente para aumentar significativamente o volume de água que entra nos reservatórios do município”, disse o Saae (autarquia municipal que cuida do setor) em comunicado.

Por isso, desde 26 de agosto a cidade está em estado de emergência hídrica e adotou multas para desperdício de R$ 216, aplicadas em caso de reincidência.

São José da Bela Vista, na região de Franca, decretou em 14 de agosto situação de emergência por 30 dias, período em que foi proibido usar água para atividades não essenciais, sob pena de multa.

O cenário hídrico em algumas cidades é tão grave que há casos em que a decretação de racionamento e adoção de multas já ocorreu há quatro meses, como Santo Antônio de Posse.

Em outras, multas ainda não foram aplicadas, mas o racionamento devido à escassez hídrica está em vigor, como Franca e Cristais Paulista.

Folha de SP

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